sábado, 30 de outubro de 2010

Arménio Vieira – O poema, a viagem, o sonho (resenha de Ricardo Riso)


Arménio Vieira – O poema, a viagem, o sonho
Por Ricardo Riso

Publicado no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 165, p. 13, de 28 de outubro de 2010

Logo após ser justamente galardoado com o Prémio Camões em 2009, tornando-se o 1o. escritor cabo-verdiano a recebê-lo, o praiense Arménio Vieira brinda seus admiradores com “O poema, a viagem, o sonho” (Editorial Caminho), novo livro de poesia.

Neste, o vate das ilhas opta pela tessitura em prosa poética e atinge ótimos resultados acerca de intrigantes indagações existenciais e metafísicas, apropriação e referências várias à literatura e à filosofia ocidental (“Li-os todos”, avisa-nos o poeta, lembrando “No Inferno”), para além da metapoética transgressora, mostrando o pleno domínio da poesia. Assim como a consagrada ironia do poeta e a sua postura independente que aconselha: “Apaga as escrituras. (...) Em ti há um marinheiro demandando uma ilha onde ninguém ainda esteve. Também em ti encontrarás o mapa, a bússola e o navio. Há coisas a que não deves atribuir nomes. A tua ilha não tem nome.”

É a viagem interior proposta ao sujeito que se quer independente, com o “Poema, que é também, mistério”, transportado pelo sonho. O sonho, condição do ilhéu, da evasão do “Poema de quem ficou” de Manuel Lopes, de que “teve saudades estranhas, de terras estranhas”, motivo de releituras como a de NZé dy Sant’Y’Águ em “Na morte de Baltazar Lopes da Silva, que também é o poeta Osvaldo Alcântara, “nunca divisados na retina dos que partiram/ nunca vistos e encontrados no chão inóspito/ e diaspórico da terra-longe”; é também revisitado por Vieira citando Homero: “O viajante que jamais viaja é quem deveras viaja, pois que, viajando nunca, ele sabe dos múltiplos dons com que o Destino distingue o sonhador. Sendo assim (por arbítrio alheio, é certo), o navegante, que jamais teve navios e nunca os desejou, mesmo assim, ele é o detentor das rotas que levam aos portos por nomear. Diga-se então que o azul de tantos céus, que Ulisses viu, como ninguém houvera visto, mais não é que os sonhos de quem, em terra, os sonhou no mar.”

Subverter a tessitura da poesia é uma especialidade de Vieira. “Escandir o verso é ofício a que se furta o poeta”, afirma o vate, “porém ele se escusa de escandir o verso, pois sabe que é vão meter a faca no que não pode ser cortado”. Parecendo justificar a opção pela prosa poética, o poeta vale-se da ironia para criticar os rimadores de versos fáceis e, em seguida, celebrar António Vieira e Fernando Pessoa: “De repente um pobre homem, sem apoio de mágica ou de alquimia, que também é magia, converte-se num aparelho de fazer poemas. Ele então que os faça, pois assim quis a sina. Se for soneto, (...) que eles saiam mais ou menos bem rimados. Atenção: quem rima choro com cachorro, jamais apanha a chave de ouro, e no fim é o cão que fica a rir-se. (...) Já que o santo era padre e como a poesia é o tema, encerre-se o texto com Vieira, também padre e António, tanto mais que os sermões, a mor das vezes chatos, em Vieira eram poemas. Entendeu-o Pessoa e, a dobrar, também eu. Por me chamar Vieira?”

A poesia ousada deste vate maior das ilhas apresenta belas homenagens à literatura ocidental ao unir poetas de diferentes épocas: Homero/Rimbaud, Safo/Baudelaire; para além das citações a Borges, Camus, aos gregos em “Grécia, mater mundi” etc.

Labiríntica poesia, fascinante leitura. A sonhadora viagem proporcionada pelos poemas deste Vieira, dito Arménio, reafirma-o entre os melhores da lusografia contemporânea.

“Eu, que de Homero recebi o poema no instante em que o poema nasce, e vi o Inferno pela mão de Dante, tal-qual Leopardi mais tarde o viu, e, após me afundar no rio onde Hamlet e Lear beberam o vinho que enlouquece, comecei a ter visões que Rimbaud, De Quincey e Poe registaram em negros textos; eu, que no eterno transportei a bandeira que era peso nas mãos de Elliot, e renovei a charrua com que Pound lavrava os versos, e de Whitman furtei-me ao licor, que em Álvaro, digo Campos, porque dorido e menos doce, sabia melhor; então que falta em mim para de Camões herdar a estrela, que Pessoa deixou fugir?”

domingo, 24 de outubro de 2010

João Tala lança "Forno Feminino" no Rio de Janeiro - 26/10/2010


POEMAS DE JOÃO TALA



TROMPAS UTERINAS / BRAÇOS DO MUNDO

ouço o recomeço acostumada seara
de grãos rompidos

ainda. as grandes mãos do mundo
fixam sementes, algarismos

palavras cervicais
húmus sobre terra húmida,

é esse o caminho que atinge ovários
pela boca da labareda.
(TALA, João. Forno Feminino. Luanda: Kilombelombe, 2009. p. 27)



Poema ébrio não é mais tua raiva
apago tua escrita dorida de raivas.
Bombeiro da inquietação
leitor das cartas imóveis
o engenho da tua caligrafia
eu, teu empenho a cumprir-te
quanto te conversas e precisas extinguir
o ruído da palavra que nem gritas.
(TALA, João. Forno Feminino. Luanda: Kilombelombe, 2009. p. 72)


Boa-noite. Venho de lume à
brisa de terra.
Trouxe o frasco de hormônio
achei-o na farmácia do tempo.

Boa-noite pedacinho. Outro desejo e
dois sorvos. Avivarei mulher em ti
com fogo novo. Noitinha, senhora
súbita alegria de doer onde salgava
o útero. Mais um sorvo e saltam tuas rosas
outro sorvo pode extinguir a angústia
reunida nos teus ovários.
(TALA, João. Forno Feminino. Luanda: Kilombelombe, 2009. p. 44)


palavras bonitas como a palavra mágica.
nascente uma palavra moça, recorrente.

palavra menstrual, rosada.
a rigor o mês assiste o vocabulário
da permuta,

a palavra volúpia teu sexo repleto de pássaros
notas mágicas de teus olhos cheios de plan(e)tas
muitas palavras por dizer ou rasgar
quando comes os frutos ensopados;

quando do fruto tens palavra sentir: formas e dores;
e caber na forma palavra nutrir.
(TALA, João. Forno Feminino. Luanda: Kilombelombe, 2009. p. 55)


São estas diferenças que partilho:
eclesiástica palavra tu és uma igreja

nutrida uma palavra
espiga outra palavra

levantas-me escolástica o nervo
com a tua dor;
aurora com o teu lume,

álgebra inquieta não somarias
o tempo que não partilho.
(TALA, João. Forno Feminino. Luanda: Kilombelombe, 2009. p. 41)


Os rumores edificaram o medo
cantamos a urgência dos lugares.
Encheram-nos as pupilas de palavras
amendrontadas;
Edificaram-nos também os passos
com as botas sobre a Aldeia.
Agora um país tem as têmporas a arder
de nossos medos
mas é apenas a memória dos tumultos.
(TALA, João. A vitória é uma ilusão de filósofos e loucos. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2005. p. 27)


recolho da época devastada agora uma aura
cheguei dos rumores para o paraíso húmido
o meu catecismo é a bruma onde a língua
explode de paixões
cheguei, homem da festa, carrego orvalhos
onde findaram as explosões.
(TALA, João. A vitória é uma ilusão de filósofos e loucos. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2005. p. 20)


A VIDA É UM VÍCIO ALÍRICO
Um lápis traçará caminhos e parábolas fecundas;
um lápis vigia-se pelos escombros;
as letras do pensamento são do olvido pessoas
[paradas e fatigadas.
têm secretas mensagens com as mãos na
notícia. pega um lápis ensina a sofrer.
toca a escrever poemas.
com as mãos na notícia.
não pode haver outra noite impedida
de nos encher a boca.
(onde é que a intimidade tacteava o chão?)
toca a escrever poemas, minha gente,
há que encher o bairro.
com as mãos na notícia.
Senão a vida será um vício alírico.
(TALA, João. Lugar Assim. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2004. p. 24)


As mesmas palavras largadas ao chão cheias de
[caminhos.
As mesmas palavras esquecidas largadas nos
[caminhos.
Palavras boçais repletas de tempestades.
Palavras insatisfeitas repetidas nos comícios
febris palavras convulsivas palavras complicadas
palavras vazias destemperadas incertezas;
o tédio das palavras muitas palavras!
Todas essas palavras como nos ofuscaram
ninguém mais se lembra. Esquecemo-las nos
[comícios.
Nunca mais lhe daremos o valor da palavra
[humana
com nossas vidas lidas nos comícios. Nunca mais.
(TALA, João. Lugar Assim. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2004. p. 29)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Afrodestinos, de Ricardo Riso

AFRODESTINOS*
Ricardo Riso

E o Ben dos bens sons cantou assim:

"Arthur Miro,
Diga lá, menino,
O que é que você quer ser quando crescer?
Eu quero ser jogador de futebol
Jogador de futebol
Anabela Gorda,
Diga lá, menina,
O que é que você quer ser quando crescer?
Eu quero ser dona de casa atuante ou mulher de milionário
Dona de casa atuante ou mulher de milionário
Jesus Correia,
Diga lá, menino,
O que é que você quer ser quando crescer?
Eu quero ser tesoureiro-presidente ou liberal como você
Tesoureiro-presidente ou liberal como você"

O sonho e a chegada da realidade.
Arthut Miró, craque da bola, idolatrado na comunidade em que viveu, caiu nas garras do empresário branco (versão contemporânea do traficante de escravos). Das categorias de base no Flamengo, promessa de craque, à aventura no obscuro futebol dos Emirados Árabes. Transação de cifras estratosféricas ponta-pé para sonhada estabilidade, dinheiro que não viu, concentrado nas mãos do empresário. Grave contusão, retorno ao Brasil, abandono empresário, portas grandes clubes fechadas. Arthur Miró estava bichado, cochichavam. Hoje, camisa 10 do ABC do Rio Branco do Acre, une o futebol aos serviços de ajudante de pedreiro, uma das poucas profissões para quem apenas aprendeu a escrever o nome e apostou no esférico sonho de gols e dinheiro como tantos nossos irmãos de cor.
Anabela Gorda enamorou-se de um milionário, Zé Milionário, antigo garimpeiro de Serra Pelada que conseguiu fazer alguma fortuna, boa parte detonada em bebidas e mulheres, ainda assim conseguiu juntar algum, veio para a cidade outrora maravilhosa tentar mudar de vida e comprou uma casa própria no Rio das Pedras. Anabela Gorda tornou-se dona-de-casa atuante, Zé Milionário deu-lhe uma casa, seis filhos, diversos quilos a mais, o convívio com a embriaguez permanente e a perda das poucas economias devoradas pelas máquinas de jogo dos bares, outro vício de Milionário. O único prazer de Anabela Gorda se dá quando senta para ver as novelas do plim-plim, fábricas de ilusão, momento em que ela sonha ser doméstica na casa de um outro milionário do Leblon ou da Barra da Tijuca.
Jesus Correia, garoto esperto, sagaz, ambicioso, revoltado com a polícia que tantas vezes na sua cara bateu, nas de seus amigos também, quase sempre sem motivo nenhum, algo como se fosse mais um ritual do trabalho do policial, tal como bater o cartão-de-ponto na entrada e na saída. Quando mais um brother preto morreu sem justo motivo pelos homens da lei, exterminadores de negros, cansou-se de ver suas tias em lágrimas negras e decidiu assumir sua habilidade com o dinheiro e com a valentia adquirida por tantos anos de discriminação para o bicho entrou. Jesus Correia encontrou a sua forma de ser liberal, tornou-se tesoureiro da boca. Jesus Correia adora queimar vacilão alcaguete, sabe que essa vida não é longa e canta, em meio às orações para seu orixá, “Eu vou torcer, eu vou/ Eu vou torcer pela paz/ Pela alegria, pelo amor” e espera o dia da morte chegar em um provável confronto com a polícia.

* poema inspirado na música “Meus filhos, meu tesouro” de Jorge Ben, do álbum África/Brasil, de 1976.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poesia Favela. A poesia se constrói onde há espaço

Dia 20 de outubro, o Teatro Noel Rosa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) recebe o evento “Poesia Favela. A poesia se constrói onde há espaço”. Na ocasião, serão discutidas as múltiplas formas da palavra poética produzida nas favelas e periferias. A entrada é gratuita e terá início às 14h. A Uerj está localizada na Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, Rio de Janeiro. Mais informações, acessem http://www.poesiafavela.blogspot.com/


Programação:
14h – 15h30
Batalha de rima com o Coletivo Cultural Comando Selva

16h – 18h
Roda de conversa “Literatura na periferia: produzir, publicar, difundir”
Convidados:
Éle Semog (poeta)
Nelson Maca (poeta e organizador do sarau Bem Black, em Salvador)
Érica Nascimento (USP)
Maria Maciel (Proler)
Editora Multifoco

18h – 19h
Lançamento de livros, blogs e cds

19h – 22h
Sarau literário – Homenagem à Carolina Maria de Jesus com:
Severino Honorato - Deley de Acari - Semog - Valéria Barbosa - Nelson Maca - Denis Rubra - Mc Fill - Mc Mano Teco - Mc Leonardo - Mc Pingo - Mc Gas-Pa

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

João Tala lança "Forno Feminino" no Rio de Janeiro


(clique na imagem para ampliá-la)

O prestigiado escritor angolano João Tala lançará Forno Feminino, seu recente livro de poesia, na Kitabu - Livraria Negra, dia 26 de outubro de 2010, às 18h30, à rua Joaquim Silva, 17 - Lapa - Rio de Janeiro.

Kitabu - Livraria Negra
Rua Joaquim Silva, 17 - Lapa - Rio de Janeiro
Tel: (21) 2252-0533
htpp://kitabulivraria.wordpress.com
Twitter: @kitabulivros

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Palestra Literatura Afro-Brasileira, com Miriam Alves e Ricardo Riso - Colégio Pedro II/Centro - 14/10/2010

Pedro II de Portas Abertas
Dias 13 e 14 de Outubro de 2010
FESTA LITERÁRIA

Prezados(as),

A escritora e pesquisadora Miriam Alves e eu comporemos a mesa Literatura Afro-Brasileira na Festa Literária do Colégio Pedro II - Unidade Centro, dia 14 de outubro, às 15h. Na ocasião, Miriam Alves lançará o livro Brasilafro autorrevelado – Literatura brasileira contemporânea. A mesa terá a mediação do Prof. Tarcísio Motta de Carvalho.

O evento terá participações de:
• Sebos da região e exposição de livros;
• Editoras e autores;
• Mesas, saraus, lançamento de livros;
• Lançamentos de livros;

Quem puder comparecer e ajudar na divulgação, desde já agradeço.

Abraços,
Ricardo Riso

Colégio Pedro II − Unidade Centro
End.: Rua Marechal Floriano nº 80 - Centro – RJ
Tel: (21) 3213-3101 - FAX: (21) 2253-8340
Site: http://www.cp2centro.net/

Miriam Alves - BRASILAFRO AUTORREVELADO: Literatura Brasileira Contemporânea (lançamento RJ)

A Kitabu Livraria Negra e a Nandyala Editora convidam para a noite de autógrafos do livro


BRASILAFRO AUTORREVELADO:

Literatura Brasileira Contemporânea

De Miriam Alves*

Iniciaremos o projeto Palavra Preta**, com um sarau com a autora.

Serviço:
Local: Kitabu Livraria Negra
Endereço: Rua Joaquim Silva, N. 17 – Loja – Lapa – RJ
Data: 14 de outubro, próxima 5ª feira.
Horário: 18:30
Tel: 2252-0533

* Mirian Alves é escritora e pesquisadora da literatura afro-brasileira, tem importante participação nos Cadernos Negros com seus contos e poesias.


** Palavra Preta é novo projeto da Kitabu Livraria Negra, para aproximar escritores e pesquisadores de seu público leitor, sendo um espaço destinado ao debate, à reflexão e à confraternização. Sua periodicidade será mensal, contamos com a sua presença.
 

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A (pa)lavra fértil de João Tala em "Forno Feminino" - resenha livro


A (pa)lavra fértil de João Tala em Forno Feminino
Por Ricardo Riso

Desde sua estreia literária com A forma dos desejos (1997), cada novo livro de poesia do angolano João Tala gera imensa expectativa entre os admiradores das literaturas africanas de língua portuguesa. O recente “Forno Feminino”, sob a chancela da Kilombelombe, lançado em 2009, corresponde de forma gratificante ao que se espera de sua escrita, confirmando o seu nome entre o que há de melhor nas letras angolanas neste primeiro decênio do século XXI.

Possuidor de uma poesia marcada pelas imagens insólitas, virulentas e surpreendentes, de um labor estético-poético acurado e inovador na desarticulação da sintaxe e na ampliação semântica no decorrer dos versos impactantes, prenhe ressignificador dos sentidos em sinestésicas metáforas surrealizantes de poemas que recusam os superficiais e acomodados caminhos da fácil compreensão. Uma poesia que desestrutura, por isso causa admiração, torna sua leitura prazerosa e reveladora dos rumos seguidos pelo sujeito poético. Assim é a poesia para quem procura lapidar a palavra poética com esmero. Assim é a poesia de João Tala.

Este jovem escritor nasceu em Malanje, Angola, em 19 de Dezembro de 1959, iniciou suas atividades literárias na década de 80, quando morava em Huambo e fazia o serviço militar. Nessa época, fundou a Brigada Jovem de Literatura Alda Lara e entrou na Faculdade de Medicina. Como médico, trabalhou na Lunda Norte e em Luanda.

Representante da geração dos anos 1990, Tala logo obteve admiração no meio literário angolano com o seu primeiro livro, “A forma dos desejos” (1997), merecedor do Prêmio Primeiro Livro da União dos Escritores Angolanos daquele ano. O arrebatamento de sua obra inicial fez com que o poeta José Luis Mendonça declarasse: “‘A forma dos desejos’, veio impor novas exigências à mesa de leitura em relação aos novos autores. Uma das exigências será o critério de qualidade estético-literário. Para o referido poeta, esse livro, possui todos os ingredientes que compõem a obra verdadeiramente literária: a ousadia da mensagem, a imagética surrealista e vanguardista que procura superar o já criado, ou pelo menos, ser diferente trazendo algo de novo, a elaboração conceptual dentro dum diversificado figurino”. (1)

Tamanha empolgação que poderia ter sido contaminada pela precipitação, foi consolidada no livro seguinte, “O gosto da semente”, recebedor da menção honrosa do prêmio literário Sagrada Esperança/2000. A respeito desse livro, o poeta João Maimona considera João Tala "como uma das mais importantes revelações da década de 90. Uma voz que nos deixa um aviso de que a poesia angolana é uma paisagem com diversidade e infinidade de caminho. Faz parte da comunidade de jovens autores que, no limiar da década de 80, procuravam, com rigor, pesquisa e talento, seleccionar, agrupar e combinar palavras que pudessem servir a arte através da literatura. Uma das mais importantes revelações da década de 90." (2)

A partir daí, referendado pelas elogiosas críticas, cada lançamento de Tala passou a ser aguardado com intensa expectativa. Assim o foi com “A forma dos desejos II” (2003), “Lugar Assim” e com “A vitória é uma ilusão de filósofos e de loucos” (2005). Para além das muito bem sucedidas incursões na prosa, tendo publicado dois livros de contos: “Os dias e os tumultos” (2005) e “Surreambulando” (2007). Todos os livros sob a chancela da União dos Escritores Angolanos, exceto “O gasto da semente”, editado pela INIC.

Apesar de um forte componente político, a obra de João Tala sempre teve um viés erótico. Neste “Forno Feminino” o poeta aprofunda essa tendência inspirando-se em um antigo forno da região da Lunda-Norte. Assim o descreve em nota introdutória:

(...) em 1989, chegado no Dundo, Lunda-Norte, (...) a primeira instituição que visitei foi precisamente o Museu do Dundo onde pude conhecer, porque estava exposto, o histórico ‘forno feminino’. É uma estrutura moldada de barro e (talvez) argila, com contornos à imagem de uma mulher em cujo ventre se abre uma cavidade – o forno – de que antigos ferreiros da região se serviam para fundir metais com que elaboravam instrumentos de trabalho, em especial para a caça. Contaram-me que da simbologia reprodutiva os caçadores acreditavam na sorte para obtenção de ganhos, dada a ubiqüidade, quer a duplicidade do factor reprodutivo/multiplicação.

Dessa maneira, o tumulto proporcionado pela longa guerra civil que devastou Angola até o ano de 2002, data do acordo que selou a paz, não aparece com a frequência dos livros anteriores, “é um tempo de ave o anúncio da abundância” (TALA, p. 83), e neste “Forno Feminino” há um nítido e satisfatório desejo de ruptura com o passado de tristezas, reflexo do novo momento vivenciado pelo país e que a embriaguez criativa, capaz de alterar os sentidos visualiza novos caminhos:

Poema ébrio não é mais tua raiva
apago tua escrita dorida de raivas.
Bombeiro da inquietação
leitor das cartas imóveis
o engenho da tua caligrafia
eu, teu empenho a cumprir-te
quanto te conversas e precisas extinguir
o ruído da palavra que nem gritas. (TALA, p. 72)

Os novos tempos procuram trazer a estabilidade perdida ao país, logo Tala concentra-se na celebração da mulher em uma poética extremamente erotizada que, em vários e surpreendentes momentos, atinge resultados fascinantes e imagens inesperadas, mostrando o apuro e o domínio do poeta fertilizando o Verbo:

Boa-noite. Venho de lume à
brisa de terra.
Trouxe o frasco de hormônio
achei-o na farmácia do tempo.

Boa-noite pedacinho. Outro desejo e
dois sorvos. Avivarei mulher em ti
com fogo novo. Noitinha, senhora
súbita alegria de doer onde salgava
o útero. Mais um sorvo e saltam tuas rosas
outro sorvo pode extinguir a angústia
reunida nos teus ovários. (TALA, p. 44)

A erotização proposta na poesia de João Tala apresenta um poder ilimitado em transformar o próprio verbo, a palavra ganha contornos inovadores, ampliando significados, expandindo sentidos que valorizam a ousadia deste poeta, como em “Palavra amor”:

conheço-a, era uma pálpebra
dormindo no rosto

encrespa o dia desperta o fundo
monstro de um beijo palavra animal
com seus órgão genitais e coração atordoado.

carne da minha carne essa palavra
é uma pálpebra: abre os olhos e respira. (TALA, p. 53)

A sintaxe renovada e o uso cuidadoso do enjambement reforçam as imagens deste autêntico artífice da linguagem, inquieto nas metáforas delirantes desse sujeito lírico de desejo devastador. Com isso, apreende-se diversas referências ao fogo, elemento primordial da natureza, derretendo a palavra, modelando-a e apresentando novos contornos poéticos. O gozo da poesia em “Trompas uterinas/Braços do mundo”:

ouço o recomeço acostumada seara
de grãos rompidos

ainda. as grandes mãos do mundo
fixam sementes, algarismos

palavras cervicais
húmus sobre terra húmida,

é esse o caminho que atinge ovários
pela boca da labareda. (TALA, p. 27)

A inspiração poética surge de elementos díspares, semeados para satisfazer o intenso erotismo do sujeito lírico:

No limite duma mulher tem qualquer criança
com jardins enrolados.
É com este pensamento que poesia arável
cresce, incha, desdobra, decifra
mulheres no limite de suas criaturas. (TALA, p. 70)

A lavra do poeta mergulha na metapoética e no corpo feminino – “A escrita é feminina as palavras são mulheres” (TALA, p. 74). A sinestesia fertiliza os sentidos, nutrindo nossos olhos para versos em orgiástico delírio da palavra:

palavras bonitas como a palavra mágica.
nascente uma palavra moça, recorrente.

palavra menstrual, rosada.
a rigor o mês assiste o vocabulário
da permuta,

a palavra volúpia teu sexo repleto de pássaros
notas mágicas de teus olhos cheios de plan(e)tas
muitas palavras por dizer ou rasgar
quando comes os frutos ensopados;

quando do fruto tens palavra sentir: formas e dores;
e caber na forma palavra nutrir. (TALA, p. 55)

Saciar a sede criativa, fecundar o verbo poético em um lirismo pontuado por imagens surreais como no poema “As mãos urgentes”:

O pasto recolhe à sede palavra grávida
e nas mãos urgentes de semear a conversa
a língua busca o seu cardume onde
súbitas figuras adivinham a sede
apenas húmidos sons extravasam os
peixes da boca. (TALA, p. 25)

A devoção à palavra poética e o respeito ao poder transformador do verbo ganham belíssima homenagem em “Tuas palavras mágicas”:

São estas diferenças que partilho:
eclesiástica palavra tu és uma igreja

nutrida uma palavra
espiga outra palavra

levantas-me escolástica o nervo
com a tua dor;
aurora com o teu lume,

álgebra inquieta não somarias
o tempo que não partilho. (TALA, p. 41)

O livro encerra-se com um poema-oração à mulher, “o mundo recriado a partir dos olhos duma mulher”, no qual o sujeito lírico demonstra todo o seu fascínio e crença na reformulação da vida terrena, tendo a mulher como a responsável maior por essa transformação:

Sou a palavra que você não disse
o nome que você não chamou.
Contigo viverei palavras desiguais
palavras ardidas na língua que as prolonga;
palavras perdidas e procuradas
onde tentas o sonho
(não há mais nada para sonhar?)
Sou a palavra que você não disse
uma canção ao maravilhoso.
As páginas perseguem-me e
da retórica colhes os números;
mas os números não dizem nada
- são as preocupações do pouco,
sem as contar sem as procurar.
Eu sei, nos teus olhos, mulher
se eleva o pensamento;
dos teus olhos, mulher
Deus recriará o mundo.
Assim fora o começo d’olhos pensados
nas mãos de Deus. (TALA, p. 41)

“Forno Feminino” confirma a tessitura textual envolvente de João Tala, a consolidação de seu nome entre o que há de melhor na poesia angolana contemporânea, para além da permanente tentativa de reconstituição do verbo poético, de uma escrita que subverte as normas da língua de forma inovadora. Apreende-se com “Forno Feminino” um desenvolvimento estético e temático libertando-se dos estilhaços da guerra, sem a amargura e a dor daqueles dias. O poeta João Tala reconstrói a linguagem, recria-se e distancia-se dos traumas do passado, e com isso presta a sua contribuição para a reconstrução do país. Agora, em tempos de paz.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Palestra Literatura Afro-Brasileira, com Miriam Alves e Ricardo Riso - Colégio Pedro II/Centro - 14/10

Pedro II de Portas Abertas
Dias 13 e 14 de Outubro de 2010
FESTA LITERÁRIA

Prezados(as),
A escritora e pesquisadora Miriam Alves e eu comporemos a mesa Literatura Afro-Brasileira na Festa Literária do Colégio Pedro II - Unidade Centro, dia 14 de outubro, às 15h. Na ocasião Miriam Alves lançará o livro Brasilafro autorrevelado – Literatura brasileira contemporânea. A mesa terá a mediação do Prof. Tarcísio Motta de Carvalho.
Quem puder comparecer e ajudar na divulgação, desde já agradeço.
Abraços,
Ricardo Riso


DIA 13/10 - 4ª FEIRA


8:00h : ABERTURA
Leitura dramatizada de O Santo e a Porca (8º ano) - Profª Rita Codá - Biblioteca

8h30min: Recital Rosas de Piéria (8º ano) - Profª Rita Codá - Biblioteca

9:00h: Declamação de um excerto da obra Aulularia de Plauto, em latim (Alunos do Curso de Latim) - Profª Rita Codá - Biblioteca

10:00h Ferreira Gullar: homenagem aos 80 anos do poeta e lançamento do seu mais novo livro Alguma parte alguma. Convidada especial: Adriana Calcanhoto; Participação do Coral de Alunos da Unidade Centro

12:00h Sopa de Letras – sarau literário com apresentação de alunos de séries variadas e Convidados - Profa Dilma Mesquita – Pátio Central

13h:30min – 14h:30min – ALMOÇO

14h:30min – Dramatização de Os saltimbancos (7ºano) Profª Marina Mansur – Biblioteca

15:00h – Café com autores. Convidados: Rosa Amanda Strausz, George Campista e Luiza Martins. Sala 03

15h:30min: Literatura e Entretenimento - Felipe Pena e Luís Eduardo Matta. Mediadora: Rosa Amanda Strausz. Salão Nobre

17:00h: Literatura e Música: Legião Urbana. Henrique Rodrigues e Angélica Castilho. Mediadora: Profa Elaine Barbosa. Participação do aluno Wesley Guimarães ao violão.

19h:30min: Jantar Poético: sarau de poesia com alunos do PROEJA. Poeta convidada: Celi Luz e amigos

DIA 14/10 5ª FEIRA

9:00h : Exibição de vídeo e relato de experiências – oficina de cinema. (9º ano). Profª Dilma Mesquita. Auditório novo

10:00h: Leitura dramatizada de O auto da Compadecida (9º ano). Profª Dilma Mesquita.Salão Nobre

13h:30min – 14h:30min ALMOÇO

14h:30min – Contação de histórias de suspense: Edgard Allan Poe (aberto a todas as séries). Profª Teresa Ventura (SCI). Sala 3

15:00h – Literatura Afro-brasileira. Miriam Alves e Ricardo Riso. Lançamento do livro Brasilafro autorrevelado – Literatura brasileira contemporânea. Mediador: Prof Tarcísio Motta de Carvalho

16:00h – Literatura e o Samba: Noel, o poeta da Vila. Prof. Antonio Martins de Araújo (UFRJ). Danilo Garcia e Raoni Ventapane compositores de sambas-enredo da Vila Isabel. Participação do grupo de samba dos alunos da Unidade. Mediador: Prof. Marcos

17h:30min – Conversa com o cantor e compositor Pedro Luís e uma homenagem ao Prof. Fernando Lemos, mestre que o incentivou a gostar de Literatura. Mediadora: Profª Marina Mansur

“A literatura é necessária porque a vida não basta.” (Ferreira Gullar)

Celebrando o prazer da leitura, o valor da literatura e suas relações com todas as manifestações culturais.

O evento terá participações de:
• Sebos da região e exposição de livros;
• Editoras e autores;
• Mesas, saraus, lançamento de livros;
• Lançamentos de livros;

Colégio Pedro II − Unidade Centro
End.: Rua Marechal Floriano nº 80 - Centro – RJ
Tel: (21) 3213-3101
FAX: (21) 2253-8340
Site: http://www.cp2centro.net/

sábado, 2 de outubro de 2010

I Encontro de Literatura e de Estudos Multiculturais - 14 e 16/10/2010

I Encontro de Literatura e de Estudos Multiculturais

O curso de Especialização em Literatura da Universidade de Taubaté,em parceria com o Departamento de Ciências Sociais e Letras, realizará, entre os dias 14 e 16 de outubro de 2010, o I Encontro de Literatura e de Estudos Multiculturais. O ELEM pretende se constituir em um espaço para discussão e reflexão sobre a literatura e outros saberes, por meio da realização de mesas-redondas e de palestras proferidas por pesquisadores e escritores renomados. De âmbito internacional, o evento contará este ano com a presença do escritor angolano Ondjaki, recentemente galardoado com o Prêmio Jabuti.

 
Fonte: e-mail gentilmente enviado pela Profa. Ms. Isabelita Crosariol

Ruy Duarte de Carvalho e apresentação do Buala - Bienal SP


Homenagem a Ruy Duarte de Carvalho e apresentação do Buala

Na ocasião , as jornalistas Marta Lança e Marta Mestre apresentarão o portal BUALA (http://www.buala.org/), sobre cultura africana contemporânea, e a professora Rita Chaves falará sobre o livro Desmedida, de Ruy Duarte de Carvalho. Haverá ainda projeção de fotografias da viagem que inspirou o livro (fotos da historiadora Daniela Moreau)
 
Convidam: o Buala, a Casa das Áfricas e a Ed. Língua Geral

Dia 4 de outubro, segunda-feira, das 17h às 19h.
 
Fonte: e-mail da Casa das Áfricas do dia 2 de outubro de 2010.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ondjaki - Avódezanove e o segredo do soviético - Prêmio Jabuti 2010 (Juvenil)


Parabéns ao angolano Ondjaki pelo Prêmio Jabuti - categoria Juvenil para o seu Avódezanove e o segredo do soviético (Cia. das Letras).

Ricardo Riso

Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child



Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child
Por Ricardo Riso

O Festival do Rio Internacional de Cinema sempre reserva boas supresas, traduzidas em excelentes filmes e/ou documentários. Na edição deste ano, aguardei com imensa expectativa o documentário Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child (2009), de Tamra Davis. Trata-se de uma entrevista realizada em 1986 pela diretora com o artista plástico norte-americano Jean-Michel Basquiat que ficou sem ser editada por mais de vinte anos.

Basquiat estava no auge da fama, o doc intercala a entrevista com imagens de diversos momentos de sua carreira e depoimentos do artista plástico e diretor de cinema Julian Schnabel (dirigiu o filme “Basquiat”), dos galeristas Larry Gagosian, Bruno Bischofberger e Tony Shafrazi, do grafiteiro e amigo Fab 5 Freddy, e amigos que conviveram com este artista que tomou de assalto o mundo das artes, tornando-se o primeiro negro a vencer no discriminatório circuito da arte contemporânea ocidental.

Basquiat vivenciou um momento de agitação e grandes mudanças em Nova Iorque na virada dos anos 1970/1980. A cidade passava por um período de muita violência e alto consumo de drogas, por outro lado, emergia na comunidade negra a cultura hip hop com seu grafite, a break dance e o rap; assim como uma nova geração bastante inquietante buscava seu espaço com vanguardas que diferiam da ordem vigente. Nessa época destacaram-se três grafiteiros: Kenny Scharff, Keith Haring e Jean-Michel Basquiat. Este começou a chamar atenção com os grafites intitulado com o nome Samo (same old shit - mesma velha merda, uma parceria com Al Diaz), viria a ser o mais bem sucedido artista de toda a sua geração.

Com menos de 20 anos, Basquiat já se apresentava como um artista pronto, seguro e determinado em relação à sua arte. Faltava apoio financeiro para este jovem artista que vivia nas ruas, ou em casa de amigos ou namoradas para sobreviver, fato comum entre vários emergentes do meio artístico da época. Quando isso aconteceu, sua carreira decolou com uma velocidade jamais vista na arte contemporânea. Sua primeira exposição solo teve todos os quadros vendidos e desde então sua ascensão foi fulminante, tornando-se uma celebridade pop que convivia com artistas como Madonna e Andy Warhol.

Seu pungente neoexpressionismo foi o contraponto necessário para determinar o fim da supremacia do minimalismo e da arte conceitual que dominaram as décadas de 1960/1970 e consagraria o retorno triunfante da pintura. Suas imagens viscerais, em grande formato, com forte e intrigante presença textual impactaram a todo o meio da arte, que parecia não estar preparado para algo tão inovador e agressivo. Mesclando o seu conhecimento de história da arte, a sua origem de pais imigrantes – pai haitiano e mãe porto-riquenha –, a linguagem das ruas dos bairros negros, a pop art, o jazz e uma ambição desmedida para vencer, ele foi erguido ao máximo que uma pessoa pode chegar em pouquíssimo tempo. Isso tudo teve um preço e foi cobrado do artista.

Por sua origem das ruas, ser pobre e um homem negro, Basquiat sofria com a discriminação da crítica especializada e de importantes galerias e museus que não aderiram ao seu estilo. Algo que o irritava profundamente, e com razão, a ponto de responder com rispidez a um repórter quando perguntado se ele era obrigado a ficar trancado em um porão para pintar, o que imediatamente o fez reclamar se tal indagação seria feita dessa maneira caso ele fosse um branco ou, sendo um branco, o comentário da repórter seria de algo como “o artista estava em reclusão”.

Consciente da discriminação racial na sociedade americana, Basquiat fazia questão de posicionar-se como negro, por conseguinte, homenageou diversos ícones de nossa cor em sua obra, dentre vários, podemos citar o lutador de boxe Sugar Ray Robinson e músicos de jazz como Charlie Parker, para além de denunciar a violência policial aos jovens negros, exatamente como ocorrer aqui no Brasil, com a célebre tela que mostra o espancamento de Mike Stewart.

Basquiat sabia que era manipulado e tentava jogar com isso, mas a perversa engrenagem das celebridades era mais forte que ele e não teria forças para vencer o inimigo maior, as drogas. Após a avalanche de críticas negativas à má sucedida parceria com o amigo Andy Warhol, o artista mergulha na heroína, situação que pioraria com a morte do papa da pop art. Suas obras diminuíram em intensidade, apesar da genialidade ainda marcante, por sinal são agonizantes as referências à morte na sua última exposição: em uma tela há a repetição da frase “man dies” e em outra, o título e a figura assustadora em “Riding with the Death”. Todavia, a crítica resolveu retirar a máscara que sustentou no início da carreira do jovem artista “selvagem” e frisa a decadência. Com isso, Basquiat perdeu-se e entregou-se cada vez mais até vir a falecer em 12 de agosto de 1988, antes de completar 28 anos de idade.

Riquíssimo em imagens da época, abrangente ao explorar a personalidade de Basquiat e os efeitos nocivos da mídia, para além de dar a devida importância à discriminação racial ao qual o artista sofreu, o documentário Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child presta uma justa homenagem à memória deste jovem extremamente talentoso, vítima de uma engrenagem voraz pela qual não foi preparado para viver e foi engolido por ela.

Jean-Michel Basquiat, o maior e mais completo artista de sua geração, ícone do século XX. Negro Orgulho.

Encerro com o poema de Langston Hughes que abre o documentário:

GENIUS CHILD



This is a song for the genius child.
Sing it softly, for the song is wild.
Sing it softly as ever you can -
Lest the song get out of hand.
...

Nobody loves a genius child.



Can you love an eagle,
Tame or wild?
Can you love an eagle,
Wild or tame?
Can you love a monster
Of frightening name?



Nobody loves a genius child.



Kill him - and let his soul run wild.