segunda-feira, 12 de março de 2012

Lívia Natália - Landê Onawalê e as diásporas íntimas do corpo (resenha)


Landê Onawalê e as diásporas íntimas do corpo
Lívia Natália*
 
As diásporas que titulam o livro de Landê Onawalê são as íntimas, mas poderíamos chamá-las de mínimas. A delicadeza dos deslocamentos representados nos oito contos  reunidos em Sete: Diásporas íntimas (Mazza Edições, 2012, 72pgs) dialoga com a grande diáspora do povo africano e busca flagrar outros movimentos, pensar como se conformaram, na árida paisagem, estes corpos negros, a desenhar, contemporaneamente,  outros percursos.
Neste livro, se encontram infâncias onde a consciência de si amadurece cedo, os jovens de Sete: Diásporas íntimas estão todos partindo ou chegando. Eles são corpos forçados a se descobrir, demarcando os seus limites diante do mundo, jogando com os lugares marcados, fugindo deles, mesmo quando aprisionados pelos seus contornos, como Adalberto de Um amor na diagonal. Este livro é escrito todo na diagonal, é outra forma de andar, um investimento na ruptura com a verticalidade, que limitam os negros, sua literatura e seus temas aos estereótipos rebaixadores, e também com a horizontalidade que ergue as grades da história como muros, ante nossos olhos.
Nas franjas mínimas, no mais íntimo da vida cotidiana o livro inscreve sem mistérios. Elege temas que nos atravessam, retratando, com uma consistência desconcertante, o que de comum ou excepcional há nas travessias de cada um de seus personagens, que somos nós. Nas dobras das histórias desenham-se infâncias perdidas e restauradas, amores desfibrados, a força das Religiões de Matriz Africana no percurso e assunção do lugar sujeito no sagrado como no conto Mukongo e retrata também a história dos quilombos, alegorizada no amor de Romão e Veridiana.
A escrita de Landê Onawalê é a das possibilidades de ser, e, dentre estas, destaco o modo como ele constrói outra forma de ser homem. O que se vê é uma diáspora do masculino, do homem negro, tema de sucessivas discussões entre as escritoras afrobrasileiras, e que encontra resposta ampla em personagens como Jorge e Romão. De um lado, o conto Por sobre as estações nos apresenta um relacionamento falido, conduzido por um homem que, como muitos, se pensa como proprietário da mulher indo, por isto, muito além de qualquer limite: “Mas Regina abandonara o lugar de musa, ao se perceber no alto de uma velha torre inacessível, só tocada pelos delírios do marido”. Por outro, Romão: um homem de intuições, nele o sexto sentido, propaladamente dito ser apenas do feminino, se manifesta com a angústia do amor no conto Veridiana, e o que se deslinda diante do leitor é um masculino sem castrações, pleno de si: “Ainda confuso, ele se apressou em entender, nas meias palavras de Veridiana, o significado de sua vida inteira”.
Também um feminino enraizado se afirma. As mulheres do livro tem uma complexidade sinuosa, e trazem, como marca maior, o silêncio. Elas não se desperdiçam, mergulham em si mesmas, num gesto de profunda reflexão, e é este silêncio que moverá o mundo, como uma engrenagem invisível.
Os textos trazem a limpidez da contística, que, como sabemos, é muito difícil de ser mantida. O conto deve ser uma linha tensionada e firme pela qual o leitor caminha ainda que temeroso de precipitar-se. Neste sentido, Landê Onawalê constrói narrativas íntegras, as personagens são profundamente plausíveis e, como tal, imprevisíveis, o que aumenta a tensão nos textos que lemos capturados, sorvendo cada palavra. Nada transborda ou falta, a seta é certeira. Saímos do livro movidos pelos seus trânsitos, navegando em nós mesmos, intimamente apartados de nossos lugares. O livro é de uma beleza irremediável.


* Lívia Natália é Profª Drª em Letras e poetisa, autora de "Água Negra". Texto compartilhado pela autora em 12 de março de 2012.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sua crítica deveria estar no livro. Nem ouso comentar. Parabéns.
Alessandra Sampaio

Wanasema disse...

Prezada Alessandra, este é um excelente trabalho de Lande Onawale e muito bem refletido nas palavras de Lívia Natália.
Agradeço o carinho e em breve farei a minha resenha sobre este belo Sete: diásporas íntimas.
Muito obrigado e um abraço.
Ricardo