sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Festival Pan-Africano de Cinema tem sua primeira mostra brasileira

Festival Pan-Africano de Cinema tem sua primeira mostra brasileira

Monique Cardoso, Jornal do Brasil

http://jbonline.terra.com.br/nextra/2009/02/26/e260217011.asp

RIO - A cerimônia de abertura começa com discursos do presidente e de ministros diante de um estádio de futebol, com capacidade para mais de 40 mil pessoas, lotado. Pelos telões, o público vê as delegações de diversos países sendo apresentadas, no início de uma competição que dura quase duas semanas. Olimpíada? Não. Mais uma dica: o palco é um país da África. Copa do Mundo? Também não. É o Festival Pan-Africano de Cinema, o Fespaco, que começa neste sábado e tem, este ano, sua primeira mostra de cinema brasileiro.

O festival, que acontece em Burkina Fasso, tem 40 anos e 21 edições. Conhecido como Cannes da África, dele pouco se ouviu falar no Brasil, a segunda nação do mundo em população negra, depois da Nigéria. A resposta para tamanho desconhecimento, o ator e diretor brasileiro Zózimo Bulbul (Terra em transe, Ganga Zumba), que está levando 21 filmes brasileiros (longas, médias e curtas) de cineastas afro-descendentes para lá, tem na ponta da língua.

– Na Europa, a África está nos noticiários, todo mundo sabe o que se passa por lá, e não falo de guerra e refugiados. A gente tem 60% de população negra e por aqui o continente parece não existir – indigna-se Bulbul. – Falta intercâmbio entre os países africanos e o Brasil, tanto comercial como cultural. O abismo é inexplicável.

Entre os filmes, cinco são longas e todos enfocam, por diversos ângulos, a presença da cultura negra no Brasil: Filhas do vento e Cinderelas, lobos e um príncipe encantado, ambos de Joel Zito Araújo; Abdias Nascimento - Memória negra, de Antonio Olavo; Abolição, do próprio Bulbul; e Bom dia eternidade, de Rogério Moura. Também serão exibidas duas produções para TV. Uma delas é Tão perto, tão longe, de Paulo Betti e da documentarista inglesa radicada no Rio Vick Birkbeck. Trata-se de uma coprodução para o Canal Brasil rodada no próprio festival em 2007 que acaba de ser finalizada e terá sua primeira projeção.

– Na África eles conhecem muito do cinema brasileiro dos anos 60 e 70, discutem com propriedades filmes como Terra em transe, Os fuzis e Barravento. E são interessadíssimos no cinema latino – diz Bulbul, que conheceu o Fespaco em 1997 e trouxe ao Brasil, no ano passado, o diretor do evento para a segunda edição do Encontro de Cinema Negro Brasil-África. – É impressionante ver como a África está se fazendo conhecer pelo cinema, como fez a Índia e a China. Eles estão muito interessados em saber como a cultura deles é representada nos lugares para onde os negros foram levados séculos atrás.

Ex-colônia francesa, que faz fronteira com o Mali, Gana, Costa do Marfim, Togo, entre outros países, Burkina Faso estava, em 2006, em último lugar no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Sem litoral, no meio do Sahel, é um dos países mais pobres do mundo. Devido ao analfabetismo, o cinema acabou se tornando, ao lado da música, uma das principais formas de consumo cultural. Bulbul quer registrar em vídeo a recepção dos filmes brasileiros e também fazer entrevistas não só com participantes do festival, mas também com integrantes da sociedade local:

– Pretendo elaborar um documento sobre este intercâmbio e distribuir aqui para conseguirmos estreitar o diálogo com a África.

Danny Glover no meio-fio

A comitiva reúne 12 cineastas afro-brasileiros, a atriz Zezé Motta e o secretário do audiovisual Silvio Da-Rin. O único diretor de pele clara a acompanhar o grupo é Paulo Betti. Ele exibiu, na última edição do Fespaco, há dois anos, seu longa Cafundó. Agora, volta para mostrar um filme feito lá. A idéia de rodar um documentário em Burkina Faso surgiu na porta da casa de sua infância, em Sorocaba (SP), hoje sede da instituição Quilombinhos, que atende crianças carentes. De lá saem, todo carnaval, cortejos e blocos à moda antiga, com tambores, maracatus.

– Estava com a passagem na mão. Mas o desfile das crianças naquele ano me impressionou tanto que eu pensava que já estava na própria África – lembra Betti. – Tinha certeza de que conhecia aquele mundo. Até que pouco antes de embarcar encontrei o Eduardo Escorel e ele me perguntou: “Já tomou vacina?”. Então me toquei que não era tão parecido assim.

Tão longe, tão perto registra semelhanças e diferenças entre a cultura brasileira e a africana, além de promover comparações entre a vida nos dois países. Traz ainda entrevistas com artistas e cineastas de diversos países. Na volta ao Brasil, Betti conheceu Vicky, que também tinha vasto material rodado na Fespaco. Os dois resolveram reunir tudo numa produção só, que depois de estrear em Burkina Faso será exibida, ainda neste semestre, no Canal Brasil, dividido em três episódios.

– Fiquei muito impressionado com aquele festival, com a qualidade das projeções. Tambores chamam para as sessões. Não tem jogo de poder, vaidade... É como o um Fórum Social Mundial do cinema – compara Betti. – O cinema africano tem se mostrado muito combativo, voltado para questões importantes. Não tem essa coisa de gente engomadinha. Lá você vê o Danny Glover sentado no meio-fio, conversando com todo mundo.


20:44 - 26/02/2009


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