sexta-feira, 6 de julho de 2007

A pincelada rítmica de Kiki Lima

Destaca-se na pintura contemporânea cabo-verdiana o nome de Kiki Lima. Este pintor nascido na ilha de Santo Antão em 1953, tendo iniciado nas artes plásticas no ano de 1974 as atividades de pintura e escultura, nos anos 1980 parte para Lisboa e estuda Design de Comunicação na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa até 1990.

Kiki faz do cotidiano da população simples e das raízes culturais de Cabo Verde o principal tema de suas obras. Percebemos uma busca identitária em suas pinturas para os cidadãos de seu país através das atividades diárias, em momentos que o artista apresenta semelhanças temáticas com os modernistas brasileiros da Semana de 22, como Di Cavalcanti. O artista pinta os pescadores, homens e mulheres do povo em situações comuns etc.

Esta relação com o Brasil que é resgatada por Kiki, aconteceu na literatura de seu país nos anos 1930 com os chamados “claridosos”, poetas como Jorge Barbosa, Manuel Lopes, Baltasar Lopes entre outros criaram a revista “Claridade”. Escritores que tinham na literatura e na proximidade climática do nordeste brasileiro com o arquipélago uma rica fonte de inspiração, sendo Manuel Bandeira um dos nomes de referência, tendo a
perseguição da felicidade na imagem de Pasárgada um mote criativo para o movimento que ficou conhecido como Pasargadismo. Simone Caputo descreve como esta imagem era tratada pelos claridosos:

“A imagem de Pasárgada fecunda seus textos, não mais motivada pela doença, como nos poemas do brasileiro, mas pela pobreza do arquipélago. A nova Pasárgada também não se resume a um espaço único, mas propõe-se, por meio da evasão, sempre como transposição de limites: ‘Eu vou me embora, / não vou ficar mais / avassalado pelo Astral Inferior’”. (Rapsódia da ponta da praia. Claridade, n. 5, p. 13)

Este sentimento de evasão desencadearia posteriormente um clamor anti-evasionista representado no célebre poema de Ovídio Martins:

Pedirei
Suplicarei
Chorarei
Não vou para Pasárgada

Atirar-me-ei ao chão
E prenderei nas mãos convulsas
Ervas e pedras de sangue
Não vou para Pasárgada

Gritarei
Berrarei
Matarei
Não vou para Pasárgada.
(Ovídio Martins)


Apreendemos que as questões cabo-verdianas passam pelas atividades artísticas e Kiki utiliza a gestualidade excessiva, típica do expressionismo, para demonstrar e exaltar um povo que passou séculos sob o jugo colonial português. Talvez, por isto, o uso do idioma crioulo em alguns títulos de seus quadros e as representações de homens e mulheres em suas festas na dança da “coladeira”, mostrando a alegria de uma população que luta contra as adversidades impostas pela economia e pelo clima, a insularidade, a seca. Devemos lembrar que o artista também atua como poeta, compositor e intérprete, o que pode ajudar a justificar as obras com constantes cenas de bailes e mulheres dançando em um ritmo contagiante transmitido pelo tratamento pictórico dado carregado em sensualidade.

Diferente do expressionismo alemão do início do século XX, que tinha na dor e angústia o seu apelo dramático, Kiki nos apresenta um expressionismo ensolarado numa paleta de cores vibrantes e festivas que mais o aproximam do estilo fauvista de Matisse e André Derain. Descompromisso com a forma da figuração humana, demonstrado no uso intenso e rápido da espátula; quebra da perspectiva, não há preocupação com o que está ou não representado no fundo da tela, pois o seu motivo principal são os cabo-verdianos em conversas despreocupadas, mulheres trabalhadoras e dançarinas.

Com uma pintura que trata de temas locais e consegue ser universal como toda boa arte, o pintor-músico-poeta Kiki Lima mostra-nos a alegria contagiante dos cabo-verdianos em seus quadros, o que muito contribui para o amadurecimento e afirmação deste pequeno e jovem país.

Agradecimento especialíssimo às Profas. Simone Caputo (pelas informações e algumas das imagens que aqui estão) Maria Teresa Salgado, Norma Lima e Carmen Lucia Tindó Secco, e às amigas Claudia e Gisela.
Fontes:
Caputo, Simone. Rostos, gestos, falas, olhares de mulher: o texto literário de autoria feminina em Cabo Verde. In: Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa. Pp. 166-167. Alameda Casa Editorial. São Paulo, 2006.

Caputo, Simone. A poesia de Cabo Verde: um trajeto identitário. In: Revista Poesia Sempre n° 23. Fundação Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 2006.
Secco, Carmen Lucia Tindó. Antologia do Mar na poesia africana do século XX - Cabo Verde (v.II). Rio de Janeiro, 1999.
Acessado em 19/01/2007, Kiki Lima, um artista multiplicado pela raiz. Em http://www.guesaerrante.com.br/2005/12/1/Pagina483.htm

Acessado em 15/01/2007 -
http://www.artafrica.info/html/artistas/artistaficha.php?ida=29

4 comentários:

Anônimo disse...

Está tudo lindo! Perfeito.
Acessível, didático e crítico.
Parabéns, obrigada pelo agradecimento e beijinhos!

Wanasema disse...

Valeu, Gisela!!!!

Bete disse...

Não conhecia este artista e gostei muito de seu trabalho. Ótimo post, bem esclarecedor, muito obrigada!
Bete

Wanasema disse...

Kiki Lima é um dos grandes nomes da pintura cabo-verdiana e merece maior visibilidade entre nós. Ajude a divulgá-lo, por favor.
Muito obrigado pelo comentário, Bete!