segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

CONTRAVENTO, PEDRA-A-PEDRA: um marco nos estudos cabo-verdianos


À Profa. Dra. Norma Lima (UNESA), amiga que me inseriu nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e minha principal incentivadora
À Profa. Dra. Simone Caputo Gomes (USP), que sempre estimulou minhas pesquisas acerca dos artistas de Cabo Verde, cedendo imagens e passando informações, além de ser uma das principais divulgadoras deste blog
À Profa. Dra. Carmen Lúcia Tindó Secco (UFRJ), por todo o carinho, orientação, incentivo e atenção desde que nos conhecemos
À Profa. Dra. Maria Teresa Salgado, pelo carinho e oportunidade oferecida no início de minha trajetória
Aos amigos cabo-verdianos Mito e Filinto Elísio, que demonstraram felicidade extrema com o meu texto sobre a "Sopinha de Alfabeto"

De 25 a 27 de novembro, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), graças à competência, à determinação e à dedicação da Profa. Dra. Simone Caputo Gomes, organizadora do CONTRAVENTO, PEDRA-A-PEDRA – I Seminário de Internacional de Estudos Cabo-Verdianos, que proporcionou a nós, estudantes e professores, dias de intenso contato com a cultura cabo-verdiana representada por importantes pesquisadores daqui e de lá nas áreas de História, Antropologia, Música, Lingüística, Artes Plásticas e, principalmente, Literatura.

Primeiro dia

A organizadora do seminário Profa. Dra. Simone Caputo Gomes (USP) na palestra de abertura

O primeiro dia começou com homenagens à Profa. Dra. Simone Caputo Gomes e à Ministra da Educação de Cabo Verde, Vera Duarte. A seguir, o historiador e embaixador de Cabo Verde no Brasil, Daniel António Pereira, ministrou palestra sobre a relação do arquipélago com o nordeste brasileiro. Logo depois, o Prof. Manuel Brito-Semedo (Universidade Jean Piaget de Cabo Verde) traçou uma concisa trajetória da construção da identidade nacional cabo-verdiana. Nesta mesa, os debatedores foram o Prof. Dr. Benjamin Abdala Jr. (USP), a Profa. Dra. Rita Chaves (USP) e o Prof. Sérgio Paulo Adolfo (UEL).


Riso e Vera Duarte após autografar o seu primeiro livro de poesia "Amanhã Amadrugada"


Na próxima mesa, a lingüista Dulce Almada Duarte brindou-nos com uma palestra sobre o crioulo cabo-verdiano.

Ao centro, a lingüista Dulce Almada Duarte proferindo a palestra "Do pidgin de 500 ao crioulo cabo-verdiano"


À tarde, o antropólogo João Lopes Filho nos mostrou algumas manifestações culturais do arquipélago, com ênfase no sincretismo religioso. Entretanto, sua exposição acelerada prejudicou a compreensão de algumas passagens importantes. Depois, Moacyr Rodrigues ministrou palestra sobre a presença do terra-longismo na música e na literatura de Cabo Verde.

O antropólogo João Lopes Filho (Universidade de Cabo Verde), Prof. Moacyr Rodrigues, Profa. Dra. Sonia Santos (FAFIMA/Macaé), Profa. Vima Lia de R. Martin (USP) e Prof. Jorge Valentim (UFSCAR)

Para encerrar o dia, uma mesa composta pela competentíssima Profa. Dra. Maria Nazareth Soares Fonseca (PUC/MG), a Profa. Salete Cara (USP) e os conferencistas Tomé Varela da Silva (poeta e pesquisador) e José Maria Semedo (Universidade de Cabo Verde). Silva abordou diversos aspectos das tradições orais do arquipélago e Semedo apresentou o batuque do século XIX até os dias atuais, contaminado por instrumentos elétricos, participação masculina etc.

A Profa. Dra. Maria Nazareth Soares da Costa (PUC/MG), o pesquisador e poeta Tomé Varela da Silva, o Prof. José Maria Semedo (Universidade de Cabo Verde) e a Profa. Salete Cara (USP)


No calçadão do MAC/USP: Carmen Lucia Tindó Secco (UFRJ), Fátima Fernandes (Universidade de Cabo Verde), Maria Nazareth Soares Fonseca (PUC/MG), Norma Lima (UNESA) e Tânia Macedo (USP)

Segundo dia

O segundo dia começou com a bela comunicação de Vera Duarte sobre a presença das mulheres desde os primórdios da literatura cabo-verdiana e a relação de afetos entre as literaturas de Cabo Verde e Brasil. Sua fala, concisa e segura, foi um dos grandes momentos do Seminário.


Profa. Dra. Sonia Santos (FAFIMA/Macaé) e Ricardo Riso


Na mesa em que as mulheres reinaram, o momento mais belo e lírico de todo o Seminário deve-se à escritora Fátima Bettencourt após a leitura de uma crônica sinestesicamente linda sobre a cultura crioula, relacionando-a com cheiros e sabores do milho. Com voz suave, pausada e elegante, Bettencourt envolveu a todos em um profundo silêncio encerrando sua participação com a leitura do poema “Oração ao milho” de Cora Coralina, que aqui transcrevo:

Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos
e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e se me ajudardes, Senhor,
mesmo planta de acaso, solitária,
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo
e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consasgrou Pão de Vida, nem
lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que
trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre,
alimento de rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques,
coroados de rosas e de espigas,
quando os hebreus iam em longas caravanas
buscar na terra do Eito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de Booz
e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo na
exaustão o eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica o proletário.
Sou a polenta do imigrante e
a miga dos que começam
a vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta
comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura penosa e
despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória
do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras
à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.
(http://www.lilianreinhardt.prosaeverso.net/blog.php?idb=11665)


Prof. Emerson Soares (USP) e a escritora Fátima Bettencourt. Foto de Norma Lima.

Na parte da tarde, as ações concentraram-se no CINUSP com três documentários realizados pela jornalista Margarida Fontes. O primeiro mostrava aspectos históricos da Cidade da Praia; o segundo era uma bonita biografia sobre o claridoso Manuel Lopes; e o terceiro tratava sobre o crônico problema da água potável em Cabo Verde, apresentando alternativas para acentuar o drama do arquipélago.


Profa. Dra. Norma Lima, a documentarista Margarida Fontes e o artista plástico Mito em debate no CINUSP.

Após um rápido intervalo, tivemos uma séria de clips do meu amigo, o artista plástico Mito. Experimentar é uma boa definição para o ousado Mito, artista único no panorama cabo-verdiano. Seus vídeos inquietantes e não-lineares – alguns lembram os works in progress de Hélio Oiticica e Neville de Almeida (que será abordado por mim em um futuro texto) –, revelam as múltiplas facetas de sua obra que retrata temas típicos de Cabo Verde, porém, com tendências universais, e altamente antenados com as propostas contemporâneas dos principais centros de arte do mundo. Destaque absoluto para o clip em que uma batida de drum’bass faz o fundo para a voz da tradicional cantadeira de batuque Nácia Gomi, sendo as imagens de um estádio de futebol lotado, comemorando a vitória da seleção do país.

O artista plástico e poeta Mito, Ricardo Riso e o poeta Filinto Elísio na entrada do MAC/USP


Em seguida, o debate com a claridosa participação da Profa. Dra. Norma Lima (UNESA), que com segurança e seu olhar perspicaz abrilhantou as discussões com suas observações. Enquanto Mito revelou o seu inquietante processo criativo, que mescla diversos meios de linguagem e referências de estilos artísticos. Aproveito para agradecer a generosidade de Mito ao citar o texto que fiz para a Sopinha de Alfabeto durante a sua fala.

Profa. Dra. Norma Lima (UNESA)


Nesta mesa ainda tivemos intervenções calorosas e coerentes dos poetas Filinto Elísio e Mário Fonseca acerca de um olhar amplo da produção literária cabo-verdiana pós-Claridade, antecipando o que viria no debate do dia seguinte.

Terceiro dia

No último dia de debates, a Profa. Dra. Maria Teresa Salgado (UFRJ), a Profa. Dra. Rejane Vecchia (USP) e o Prof. Dr. Mário César Lugarinho (USP) formaram a mesa inicial com os conferencistas Profa. Fátima Fernandes (Universidade de Cabo Verde) e o poeta Filinto Elísio. A Profa. Fernandes comentou sobre a importância dos escritores João Vário (que ainda não conheço), Corsino Fortes e José Luís Tavares na literatura do arquipélago. Depois, o incisivo Filinto Elísio (o grande destaque do Seminário) falou sobre a poesia surgida a partir dos anos 1980 com forte presença existencialista, diferindo-a da tradição claridosa dominante no cenário literário do arquipélago. Elísio criticou a insistência das temáticas da Claridade, que engessam o desenvolvimento da literatura em Cabo Verde, contudo, reconhece o valor da poesia dos claridosos e frisou que sua contestação se refere “não a Cristo, mas aos cristãos”. Suas declarações deixaram os ânimos inflamados e poetas como Mário Fonseca e Corsino Fortes expuseram suas opiniões contrárias. Esta mesa foi o grande momento do Seminário.


O poeta Filinto Elísio com o tema "A literatura não claridosa de Cabo Verde: a deriva existencialista da nova poesia cabo-verdiana" e a Profa. Fátima Fernandes (Universidade de Cabo Verde)


Para finalizar a manhã, Corsino Fortes e Mário Fonseca foram mediados por Tania Macedo. Corsino, com sua fala pausada e serena, recitou alguns de seus belos poemas. Já Fonseca, com sua fala expressionista, foi severo com a fragilidade da nova produção literária cabo-verdiana, segundo ele de baixíssima qualidade.

Profa. Dra. Tania Macedo (USP), o poeta Mario Fonseca e o poeta Corsino Fortes


Para encerrar o ciclo de debates, a aguardada palestra de Kiki Lima, tendo à mesa a Profa. Dra. Simone Caputo Gomes, a Profa. Dra. Carmen Lucia Tindó Secco (UFRJ) e o jornalista e pesquisador da música cabo-verdiana Alveno Figueiredo e Silva. Este, apresentou as relações entre a música do arquipélago e a influência dos nossos cantores de rádio no período colonial, com belas fotos e boas canções selecionadas.

A organizadora do Seminário, Profa. Dra. Simone Caputo Gomes (USP), Profa. Dra. Carmen Lucia Tindó R. Secco (UFRJ) e o pintor-músico-poeta Kiki Lima


Já Kiki Lima teorizou sobre as suas idéias do que é fazer pintura, do que representar, como e por quê. Apresentou imagens que percorreram toda a sua obra e as fases pelas quais passou: a princípio com uma forte crítica social, lembrando os muralistas mexicanos, até chegar na fase impressionista, por congelar o tempo, e expressionista ensolarada, por seu gestual agressivo que concilia ritmo as suas pinceladas, a “pincelada rítmica” à qual citei em um artigo aqui no blog e que foi mencionada pela Profa. Dra. Carmen Lucia Tindó Secco. Kiki ainda apresentou suas composições ao violão e cantou suas músicas que emocionaram a todos, encerrando sua participação.


Riso e Mito na exposição de pinturas de Kiki Lima, anexo MAC/USP (foto oficial do Seminário)

Para finalizar o Seminário, no anexo do MAC/USP houve um desfile de moda cabo-verdiana tradicional e moderna, coordenado pela estilista Teodora Neves.


Desfile de Moda Cabo-Verdiana. Foto de Norma Lima.

A confirmação

Parece-me que foi para lá de positivo o CONTRAVENTO, PEDRA-A-PEDRA: I Seminário Internacional de Estudos Cabo-Verdianos. Ótimo em vários sentidos, pois revi professores de outras Instituições e conheci outros, fiz contatos com diversos escritores, comprei livros que jamais pensaria em tê-los e participei de palestras que contribuíram para a minha compreensão de diversos aspectos da cultura cabo-verdiana.

CONTRAVENTO, PEDRA-A-PEDRA serviu para consolidar e dar maior visibilidade aos estudos sobre Cabo Verde em nosso país, coroando todo o esforço da Profa. Dra. Simone Caputo Gomes ao longo de mais de três décadas.

Ricardo Riso e Norma Lima

Parabéns, Profa. Simone! Parabéns aos conferencistas e toda equipe que trabalhou para a realização deste evento!

CONTRAVENTO, PEDRA-A-PEDRA foi um momento histórico. Aguardo o próximo.

Ricardo Riso

Um comentário:

Norma Lima disse...

Sim, este foi o Primeiro! Certamente teremos mais. Parabéns aos organizadores, em especial à querida Simone.