Por Ricardo Riso
Ao Prof. Manuel Brito-Semedo,  com elevada estima.
Há uma faceta de extremo interesse e pouco conhecida do poeta  pré-claridoso Pedro Monteiro Cardoso (13/09/1883 - 29/10/1942),  reveladora de um importante momento das ilhas em razão das profundas  mudanças em Portugal com o germinal sistema republicano. Trata-se da  atuação de Pedro Cardoso como cronista de jornais. Com o pseudônimo AFRO  colaborou em vários jornais cabo-verdianos e portugueses, dentre  outros, “O Manduco”, do qual foi fundador, e foi autor da célebre coluna  “A Manduco...”, espaço de polêmicas e de um olhar atento aos problemas  sociais e políticos do cotidiano da então colônia cabo-verdiana.
As crônicas de “A Manduco...” foram recolhidas e organizadas por  Manuel Brito-Semedo e Joaquim Morais em cuidadosa edição do IBNL, sob o  título “PEDRO CARDOSO – Textos Jornalísticos e Literários (Parte I)”, no  ano de 2008. O livro tem prefácio de Isabel Lima Lobo, é separado por  duas seções: a primeira com duas conferências de Cardoso – uma em defesa  da língua cabo-verdiana, a outra no Dia de Camões, exaltando o épico,  Portugal e a língua portuguesa; a segunda seção conta com 33 crônicas  publicadas de 1911 a 1914 no jornal A Voz de Cabo Verde, para além de  fundamental ficha com a origem dos textos.
As crônicas de “A Manduco...” impressionam pelo tom incisivo, de  marcante e ruidosa intervenção político-social em defesa incontestável  dos ilhéus e das ilhas, assim como apresentam e valorizam a atuação  pungente dos intelectuais cabo-verdianos durante os primeiros anos da  república portuguesa. Em sua estreia, AFRO já demonstra o caráter de sua  seção: “(...) ‘a manduco’ é simplesmente o título de uma nova secção  onde discretamente, sem ódios nem lisonjas, e a bem dos interesses da  província, se dirão verdades... agridoces”.
Célebre na poesia de Cardoso a exaltação da pátria lusitana e da  mátria terra crioula, porém o autor para reivindicar igual tratamento ao  ilhéu recorre à Constituição para combater o racismo: “Artigo 1º - O  território de Portugal compreende na África Ocidental o Arquipélago de  Cabo Verde; (...) art. 5º - o Estado Português é uma República Unitária  baseada na igualdade dos cidadãos perante a Lei. Logo, eu nasci dentro  do território português, sou membro constituinte da Nação e igual  perante a Lei aos demais cidadãos.”
O problema da educação dos ilhéus é escancarado com indignação,  principalmente na quase completa exclusão das mulheres nas escolas por  “existir muito maior número de crianças do sexo feminino e não haver  para elas escolas, não em proporção às alunas, mas nem mesmo em número  aproximado das destinadas ao sexo masculino. A desproporcionalidade é  flagrante e provém do exclusivismo de outros tempos”.
Preocupações sociais várias são manifestadas e denunciadas pelo  autor, preocupações em sua maioria contemporâneas ao nosso tempo: “O uso  e o abuso do álcool e do tabaco, a tuberculose por esse abuso  favorecida, as estiagens e o analfabetismo são males que estão afectando  intensa e extensamente a província. Urge combatê-las sem descanso  (...)”.
A instabilidade política da Europa, a ascensão da belicista Alemanha e  seu interesse nas colônias portuguesas em África é tema de “quem nasceu  em África mas é português não só pela bandeira como pelo sentimento e  sangue”: “(...) Não posso conformar-me à horrorosa ideia de que serei  obrigado a não falar, a não cultivar esta formosíssima língua toda feita  de harmonia e doçura, em que balbuciei as minhas primeiras canções  destronada, substituída por aquela em que escreveu Goeth”.
Pan-africanista convicto, defensor dos negros, demonstra seu apreço  ao dedicar crônicas ao brasileiro Luis Gama e ao libertador do Haiti,  Toussaint Loverture. Também comunista ferrenho, sobretudo humanista, o  nativista Pedro Cardoso revela nas crônicas de AFRO as tensões que  nortearam o seu tempo. Jamais omisso, determinado na defesa de suas  posições, a pena corrosiva de AFRO apresenta o grande homem e poeta:  Pedro Cardoso.
 
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