Dedicando nossa vida ao estudo, empenhado-nos em trabalhar sem descanso, não sentimos a aproximação sub-reptícia da velhice. Envelhecemos insensivelmente, sem ter consciência disso, e, em vez de sermos brutalmente atacados pela idade, é aos poucos que nos extinguimos.
Cícero. Saber envelhecer.
Há uma peça encenada por Sergio Britto no circuito teatral carioca. Quando isto acontece, corro para assisti-la e celebrar o homem que é uma lenda vida do teatro brasileiro. Sei que posso dizer sem exagero diante da grandiosidade da vida de Sergio Britto, vida que se confunde com a construção de nosso teatro.
Admiro neste incansável ator, produtor e diretor a sua vontade, a vitalidade, a entrega e a satisfação pelo que faz, seja no seu programa semanal na TV Educativa, momento em que impressiona pelo senso crítico extremamente apurado e o olhar atento às produções contemporâneas, ou principalmente quando está nos palcos.
Sergio Britto é de uma época em que para ser ator era necessário estudar, aperfeiçoar-se, conhecer os grandes textos das tragédias gregas, Shakespeare, Beckett e Brecht e outros que moldam a carreira de um ator. De uma época onde a competência selecionava os que deviam atuar. Como podemos perceber, bem diferente dos dias atuais. Hoje, para ser ator ou atriz basta estar no Big Brother, ter um corpo remodelado em academias e cirurgias plásticas, e, principalmente, um rosto de traços finos e cabelos lisos como um alemão (o padrão nacional). Estudar os grandes clássicos, interpretação, impostação de voz... para quê?
Vamos à peça. Do alto dos seus oitenta e quatro anos, Sergio Britto resolveu reapresentar o monólogo Jung e Eu, baseado na obra do psicanalista C. G. Jung e no drama da vida do ator Leonardo Svoba, de 83 anos e um ano a menos que Britto. A beleza do espetáculo consiste na apresentação das idéias de Jung que surgem no decorrer da peça, a reflexão sobre a velhice do ator Svoba, “que não tem papéis para fazer, pior, não lhe oferecem nada e chegam a preteri-lo a um ator mais jovem, maquiado de velho”, e a vivência do próprio Sergio Britto, que afirma “Isso, não vivi ainda”.
Singelas são as situações abordadas em um cenário simples que fortalece a interpretação do grande ator que é Sergio Britto. Dramas inerentes à velhice são tratados de forma comovente sem ser piegas ou sentimentalismos novelísticos, que tratam da angústia pela ausência de papéis, a empolgação e a vitalidade trazida pelo convite em fazer um monólogo, o isolamento do filho, único familiar, as conversas com o retrato da esposa, a inquietação causada pela falta de patrocínio e o adiamento da estréia (“com a idade que estou não posso esperar muito tempo”), a descoberta e o prazer da obra junguiana no campo do onírico. O próprio ator afirma no catálogo da peça: “Jung depois da primeira temporada, não saiu mais da minha vida”, entre diversas passagens que formam um belo ensaio sobre a velhice, o ato de atuar, o amor pelo teatro – a sua vida.
Para encerrar, cito Cícero: “as melhores armas para a velhice são o conhecimento e a prática das virtudes. Cultivados em qualquer idade, eles dão frutos soberbos no término de uma existência bem vivida. Eles não somente jamais nos abandonam, mesmo no último momento da vida – o que já é muito importante –, como também a simples consciência de ter vivido sabiamente, associada à lembrança de seus próprios benefícios, é uma sensação das mais agradáveis.”
Parabéns à correta direção de Domingos Oliveira! Parabéns ao nosso incansável homem de teatro Sergio Britto, que nos graceja com mais uma impactante atuação! Muito obrigado!
Jung e Eu. Espaço Sesc até o dia 16/09.
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