terça-feira, 8 de abril de 2008

Pepetela - O quase fim do mundo (entrevista)

Fonte: Diário de Notícias - Editado por Angola Digital
Tuesday, 11 March 2008
http://www.angoladigital.net/artecultura/index.php?option=com_content&task=view&id=878&Itemid=39

«O Quase Fim do Mundo» de Pepetela

«Este romance podia ter mais 800 páginas». «Há uma personagem que diz que cada civilização vive até inventar as armas que a vão liquidar. Estamos próximos disso... Ao mesmo tempo que há um instinto de sobrevivência, há um instinto de destruição.» Uma entrevista do Diário de Notícias ao escritor, a propósito do novo livro.

E se houvesse um holocausto agora? A história começa assim. Quando terminou o romance “Os Predadores”, disse que lhe apeteceu beber champanhe. No fim deste livro voltou a ter essa vontade?

Foi diferente. Este livro foi um jogo; espécie de brincadeira. Eu estava mais à vontade. Não estava tão agarrado à realidade. É ficção pura e quando terminei pensei: "Isto até dava mais umas 800 páginas." Mas tinha de parar. Foi um livro que não me custou escrever. Podia inventar as sociedades que quisesse e tive até uma certa pena de parar. No outro apeteceu-me beber champanhe talvez por saber que estava a fechar um ciclo. Houve um corte e um corte fundo.

E porque parou se o livro poderia ser o triplo?

O livro estava a pedir-me para parar ali. Mas hoje quando releio a parte final, vejo que podia continuar. Mas bastava não pôr ali um epílogo e continuar, reconstruindo a história da humanidade.

Parte de um hipotético holocausto e uma frase que posiciona logo o leitor. "Chamo-me Simba Ukolo, sou africano, e sobrevivi ao fim do mundo"...

Dou muita importância às primeiras frases e, neste caso particular, foi muito trabalhada.

Como dá importância aos nomes...

Este foi escolhido de modo a nunca se definir muito bem a origem da personagem e a sua situação no terreno. O leitor mais conhecedor de África consegue situar mais ou menos uma região onde é possível estarem cinco países que fazem quase fronteira: Tanzânia, Congo, Burundi, Uganda, Ruanda. É na região dos grandes lagos.
Há uma ou outra referência ao Kilimanjaro. Percebe-se que Nairobi não está assim tão longe. Mas não é importante que o leitor saiba situar. Se não conhecer a região, tanto melhor. Normalmente, como sou angolano, até poderão pensar que é em Angola. Mas não tem nada a ver com Angola. Fiz todos os esforços para que não se percebesse. O importante é que se perceba que é uma parte de África, muito próxima do sítio onde hoje se pensa que terá começado a Humanidade.

A causa do holocausto só é revelada no fim. Até lá só sabemos do repovoamento...

Este livro nasce de uma notícia. Mas hesitei algumas vezes se iria ou não revelar a causa ou se deixaria em suspenso. Depois também achei que era demasiado pesado para o leitor. Acho que o leitor ficaria frustrado, a interrogar-se sobre o que aconteceu. Era pesado demais não saber o que levou a tal destruição.

Quando diz que isto é pura ficção, não é bem verdade. A reflexão política e ecológica, por exemplo, estão muito presentes.

Há uma personagem que diz que cada civilização vive até inventar as armas que a vão liquidar. Estamos próximos disso... Ao mesmo tempo que há um instinto de sobrevivência, há um instinto de destruição. O livro é uma metáfora. Cuidado! Para onde estamos a ir?

E começa com um homem que pensa estar completamente só no mundo, até que um mosquito o pica e ele percebe que tem companhia. Esse sentimento de solidão absoluta tomou conta de si enquanto escritor?

Sim. Se não, não seria capaz de escrever. Mas tentei usar um estilo muito ligeiro. Em qualquer livro há um tactear do próprio autor. Também no meu caso. Nunca sei como é que vai acabar, nem me preocupo muito a não ser a partir do meio. Até lá é um tactear sempre. Daí que talvez neste caso tenha sido mais fácil. Alguém que inicia este livro a tactear e continua por ele fora. No fundo aquele primeiro homem é uma espécie de companhia.

A ironia ajuda na desgraça?

Sim. Nós, os angolanos, agarramo-nos muito ao humor. É a nossa arma principal para sobreviver. Até a sátira em relação a nós próprios, o gozarmos, o rirmos connosco. Isso está aqui. A ideia foi pôr esse lado africano de ver o mundo.

Uma visão que, aqui, tem muito de geográfica e segundo a qual o europeu é alguém de espírito pequeno. É assim que o africano vê o europeu?

Não posso generalizar. Depende do africano e depende do europeu, mas de um modo geral o que nós pensamos, por exemplo dos portugueses, é que os portugueses têm esse espírito pequeno. Os portugueses que viveram África e estão aqui em Portugal falam sempre é da pena de ter perdido a distância, o espaço que tinham lá. Essa saudade ficou.

Este livro foi um exercício diferente para si enquanto escritor, já o disse...

Foi. Era um tema diferente e o próprio facto de ser fora de Angola era novo. Pegar em qualquer coisa que é tremendo, mas poder contar uma história que até parecesse ligeira... Foi isso que quis fazer. Posso não ter atingido.

Essa angústia do resultado termina quando?

Nunca vai terminar. Essa angústia acho que existe sempre.

Por exemplo, em relação aos ‘Predadores’, ficou tranquilo com o resultado?

Agora sim.

Então há uma altura em que passa?

Há. Mas nunca tenho a certeza. O que sei é que tenho de parar e esperar pela reacção dos leitores. Depois posso dizer "acertei ou não acertei tão bem..."

O leitor não lhe é indiferente?

De modo nenhum. Houve livros que escrevi em que o leitor me era indiferente, porque os escrevi para mim, sem pensar em publicar.

Por exemplo?

Os primeiros. Sabia que não tinha hipótese, quando andava na luta pela libertação, etc. Onde é que iria arranjar editor? Aí há um à vontade enorme. Também o penúltimo livro, ‘O Terrorista de Berkeley’, escrevi para mim. Era uma brincadeira, não era para publicar.

Porque publicou?

Começou a haver pressão. Diziam que a história estava gira e não sei o quê, mas até hoje não estou convencido.

Ainda não se tranquilizou com ele?

Não. Era para mim, não era para mais ninguém. Ficou parado dois ou três anos e marcou um salto. Aquilo não tinha nada a ver com Angola. Era só os EUA, só americanos, mais nada. Era para me divertir. Tinha todo o tempo do mundo, não tinha nada para fazer...

O que é isso de ter todo o tempo do mundo?

(risos) É estar numa cidade de que se gosta, por onde já se andou (São Francisco). Dava de manhã um passeio. Estava num hotel, com nada para fazer, e um quarto de hotel é um lugar aborrecido. Tem uma televisão, a pessoa vê um bocado mas cansa-se da língua, tem uma secretária e um computador portátil, que anda sempre comigo. Não tinha nada para fazer e escrevi para passar o tempo. Resolvi escrever uma história. Era sobre aquilo que via todos os dias. Mas acho que marcou uma ruptura para começar a escrever sobre outras coisas e outras paragens.

Antes dos 'Predadores'?

Sim. Há uns 15 anos.

Porque adiou tanto?

Foram aparecendo outros temas que se impunham. Tenho sempre três ou quatro para trabalhar. Às vezes pego num, brinco com outro. Até ao dia em que há uma frase, uma personagem, qualquer coisa que me agarra e começo.

Nenhum comentário: