“Para Léo Ferre, em saudação a todos os anarcos-surrealistas”
Quando um homem pega numa fruta e a leva à boca
Há sempre um polícia que diz “alto aí!, pois essa é do patrão”
O malefício de algumas víboras é mesmo isso:
Fuzilam-te com o olho direito.
Mas a desgraça não pára aqui:
Sempre que um homem tenta dizer uma certa palavra
Morre enquanto pronuncia a letra A
(uma bomba explode no meio do alfabeto).
E porque não havia de ser assim
Se o mínimo que de uma barata se ouve dizer num parlamento
É que ela vai ser a cantora eleita?
Por isso continuo a jurar que de todos os músicos
Prefiro aquele que se senta ao piano e diz que é surdo.
E quando me dão a escolher entre um cavalo e uma bicicleta
Fecho os olhos e escolho um caracol.
E depois, como não sei que fazer desse animal,
Fico parvo a olhar para ele.
Pois é: um caracol (assim como um soneto)
Será sempre uma máquina estupidamente lenta
No meio d’automóveis que dão tantos à hora.
O olhar de Deus contempla a minha cidade.
Porém, não há estátua que preste na minha cidade
(VIEIRA, Arménio. Poemas. São Vicente: Ilhéu, s/d. p. 111)
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