quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ovídio Martins – desesperadamente Caboverdeano (A Nação nº 141)


Por Ricardo Riso

Publicado no semanário A Nação, nº 141, de 13 a 19/05/2010, p. 38.

Sob o inferno colonial português e as suas abomináveis táticas de repressão, tortura e medo, submetendo o povo caboverdeano à miséria e à ignorância, e dando sequência à afirmação identitária – “de fincar os pés na terra”, como diria Manuel Lopes – iniciada pelos escritores da revista Claridade, surge a geração da Nova Largada com o propósito de dar continuidade ao projeto claridoso, porém acentuando a postura contrária à política vigente à época como podemos inferir nas temáticas da revista Certeza (1944), e a posterior e necessária radicalização na virada dos anos 1950/60 em publicações como Suplemento Cultural, Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes e Seló – Página dos Novíssimos.

Motivados pela crítica ferrenha ao colonialismo, fazendo da poesia a arte da intervenção social e usando a força da palavra contestatária para estimular a revolta e o inconformismo, os poetas da Nova Largada, dentre outros, Arnaldo França, Orlanda Amarilis, Tomás Martins, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, e posteriores seguidores dessa linha urgem os nomes de Arménio Vieira, Oswaldo Osório e Mário Fonseca, todos projetores da gestação de um país independente. Insubmissos, partícipes da “noite grávida de punhais”, junta-se a eles o mindelense Ovídio Martins.

Ainda, para complementar esse processo de configuração de um sentimento nacional e de aspiração por uma nação livre, dando o seu contributo e a importância histórica devida, há a criação do PAIGC (Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde) sob a visionária e correta liderança de Amílcar Cabral. Também é necessário frisar a relevância de ensaios perscrutados no campo cultural de Gabriel Mariano, com destaque para “Do funco ao sobrado ou o mundo que o mulato criou”, que estimulam a origem mestiça e o vínculo com o continente africano.

Um dos mais combativos poetas de sua geração, Ovídio Martins (17/08/1928 – 29/04/1999) foi um defensor implacável da libertação colonial, comprometido em denunciar as injustiças que afligiam seus pares. Exaltado defensor do antievasionismo, atualizou a Pasárgada de Manuel Bandeira que inspirou Osvaldo Alcântara para a urgência político-social de seu tempo, “Gritarei / Berrarei / Matarei / Não vou para Pasárgada”, para, em nome da união de seu povo, “estendermos as mãos / desesperadamente estendermos as mãos / por sobre o mar”.

O mar para este poeta dos olhos que “rolam lágrimas cor de sangue” teve a sua relação reconfigurada, sendo revisada a condição insular do ilhéu, porque naquele momento passou a ser um aliado contra o colonialismo e incorporado à construção identitária caboverdeana, pois “o mar transmitiu-nos a sua perseverança” e agora “as ondas não são muros / são laços de sagarços / que servirão de leito / à grande madrugada”.

Detentor de um olhar atento ao sofrimento dos seus pares, a figura arquetípica do contratado possui espaço considerável nos poemas de Ovídio Martins que expõe a dor daqueles que estão distantes, submetidos aos trabalhos forçados nas roças e nas prisões das ilhas de São Tomé. Solidária, a voz do sujeito lírico convoca os irmãos caboverdeanos para prestar atenção às mazelas dos distantes companheiros: “Silêncio Cabo-Verdianos! / choram irmãos nossos / nas roças de São Tomé”; e, ainda assim, passar mensagem de esperança: “Bendito sejas / serviçal cabo-verdiano / Não deixes que tuas pálpebras /amorteçam na dor / É preciso enrijá-las / para o dia do regresso / Que voltarás / não numa manhã de nevoeiro / de morbidez alquebrada / mas num dia de sol quente”.

Infere-se que a poesia para Ovídio Martins foi um espaço de reivindicação, de coerência com seus ideais, de luta libertária contra a opressão de seu tempo constatadas em seus livros “Caminhada” (1962), “Tchutchinha” (1962) e “Gritarei, berrarei, matarei: - Não vou para Pasárgada!” (1973). De “Ilha a ilha. Dor a dor. Amor a amor”, o poeta contribuiu para a concretização da utopia, para o surgimento de Cabo Verde independente.

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